Por que devemos nos orgulhar do resultado das urnas
Deco Ribeiro*
Domingo à noite. Depois de passar o dia acompanhando as votações em Campinas, brigávamos com os sites oficiais da justiça eleitoral, todos fora do ar, em busca dos resultados. Os portais de notícias foram mais prestativos - mas as notícias em si, nada animadoras. Deco Ribeiro, 1 voto. Deco Ribeiro, 4 votos. Deco Ribeiro, 48 votos. Um pinga-pinga angustiante, que quase enfarta o meu marido.
Passava dos 70% de votos apurados e meus votos estavam em 89. "É, não foi dessa vez," falei, finalmente. Como se fosse uma senha, foram todos desmontando o acampamento e partindo para suas casas. Fui dormir antes do final torcendo para, pelo menos, chegar aos 100.
Os 95
Mas foram 95.
É curioso como todo candidato espera vencer, como afirmou o Sander, de Alfenas (MG), um dos quatro LGBT eleitos em todo o Brasil. Eu também acreditava. Não tinha por que não acreditar. Afinal, Campinas tinha acabado de sediar uma Parada de 100 mil pessoas e tem boates que lotam com mil, duas mil pessoas por noite. Eu sou um nome conhecido e tínhamos mais de 100 mil santinhos, panfletos e adesivos. Na pior das contas teríamos 2 mil votos.
Mas foram 95.
No primeiro momento, claro, o baque é puramente emocional. 100 mil na Parada! Mais de mil na boate!! Custava esse povo votar??
Essa revolta logo passou. Eu entendo que culpar os gays não é o certo. Se muitos gays não votam em um candidato asumidamente gay, eles não o fazem à toa. Há um motivo por detrás, mais estrutural - que nós, socialistas, sabemos muito bem reconhecer.
Eu acredito tanto nisso que fiz uma campanha radicalmente militante, estampando em meu material que "Libertação gay é socialismo" e que era preciso derrubar as velhas instituições para construir outras, verdadeiramente democráticas. Uma campanha política bem gay, mas bem séria.
E aí veio o estalo.
Manifestação política x manifestação festiva
Eu arrisquei muito fazendo uma campanha exclusivamente LGBT e num tom sério demais, militante demais. Racional demais. Esse discurso não atinge o público que eu esperava atingir - e eu, como militante, já devia saber disso.
Afinal, desde quando uma manifestação política séria atrai o público LGBT? Nós, militantes, somos meio tontos, às vezes. Vemos 3 milhões ou 100 mil nas Paradas e nos imaginamos surfando nessa onda - mas no primeiro protesto contra a homofobia ou em alguma atividade séria do movimento, quantos aparecem?
No protesto contra a vinda do papa, na Praça da República (SP), quantos apareceram? 50 pessoas? Na manifestação das cruzes, durante a Conferência LGBT de Brasília, que lembrou os assassinados pela homofobia, quantos foram? 20 pessoas! E olha que toda a militância nacional estava a poucos metros do locall!!
A gente sempre reclama, sempre chora as pitangas depois, sempre dispara brados contra a alienação do povo - mas continuamos a dar murros na ponta da mesma faca sem conseguirmos ser compreendidos pela nossa comunidade.
Em Campinas não é diferente. Tirando a Parada, nenhuma das manifestações organizadas pelo movimento na cidade nos últimos dois anos atraiu mais de 50 pessoas. Talvez a Manifestação Sáfica, uma festa lésbica que ocorre na véspera da Parada, em uma praça que já é cheia, com ou sem evento, e tem muita música e shows, ainda que entrecortados por discursos militantes. Mas a Parada e a Manifestação Sáfica, embora tenham cunho político, são manifestações festivas. Fora isso, o que temos?
Ato contra preconceito sofrido por duas lésbicas numa sorveteria = 50 pessoas (08/04/06)
Ato contra discriminação de lésbica em empresa = 30 pessoas (12/12/06)
Ato pelo Dia de Luta Contra a Homofobia, com casamento lésbico na frente da Catedral = 50 pessoas (17/05/08)
Ato na Catedral contra morte de travesti = 60 pessoas (23/02/08)
Gincana da Diversidade no Parque do Taquaral, abertura do Mês da Diversidade = 50 pessoas, apesar do tom festivo (01/06/08)
Reuniões do extinto Fórum GLTTB de Campinas = quando muito, 20 pessoas
E minha campanha, que culminou na maior das manifestações políticas, o voto, conseguiu a façanha de mobilizar 95 pessoas!
No final das contas, uma vitória!!
O futuro nos pertence
Meu grande amigo Agildo foi o primeiro camarada do Partido a me dar os parabéns. "Estamos apenas no início da nossa jornada," ele disse. Isso me lembrou que entrei no Partido, num primeiro momento, não para sair candidato. A idéia era construir pontes: levantar a questão LGBT no meio político e trazer mais política para o meio LGBT.
Menos festa e mais política? Foram uma verdadeira luta esses três meses de campanha. Só que, como diz a UJS, se o presente é de luta, o futuro nos pertence.
Eu explico:
Minha votação mostrou uma comunidade que ainda não descobriu o voto como possibilidade de mudança. Ou seja, existe TODO um espaço a ser disputado. E disputa é a palavra certa - até campanha contra de militantes LGBT eu tive de enfrentar! Mas conseguimos 95 votos!! A maior manifestação política de LGBTs em Campinas nos últimos anos!
Mesmo não tendo sido eleito, contribuímos para a visibilidade GLBT - foram dezenas de milhares de santinhos, panfletos etc. Levamos a bandeira do arco-íris pra fazer campanha nas ruas, em panfletagens e caminhadas. Saímos com carro de som pelos bairros exortando o povo a votar contra a homofobia. Muita gente que não votou, pelo menos soube que os gays estavam na área e quais são nossas propostas. Ainda que isso tenha assustado alguns e ofendido outros, ficou bem claro que os gays também estão na política.
Tivemos a possibilidade de conversar com o prefeito (que foi reeleito) em várias ocasiões e nos mostrar enquanto gays, lésbicas, bissexuais, travestis, drag queens. Ele assinou um termo se comprometendo com nossa luta e com nossas propostas. Além disso, nosso vereador foi reeleito e com certeza nos ajudará a fiscalizar se o prefeito irá cumpri-las - principalmente por ser o atual líder do governo na Câmara.
E pra fiscalizar tanto o prefeito quando a Câmara, voltamos ao nosso trabalho de movimento social, agora muito mais conscientes do processo político e determinados a construir mais essa alternativa de combate à homofobia.
Se em três meses alcançamos isso tudo e ainda conseguimos ampliar o universo político LGBT de Campinas de 50 para 95, é sinal de que é possível falar de coisas sérias com a comunidade. Vamos em frente com a revolução!
Vamos estimular a comunidade a pleitear mais segurança e espaços de lazer, melhor atendimento público a jovens LGBT, mais respeito nas escolas, uma saúde decente... Vamos apoiar, formar e capacitar jovens militantes. Publicar fanzines. Criar grêmios gays nas escolas. Fazer matinês GLS. Filmar documentários. Todos estes são projetos nos quais estaremos envolvidos ainda este ano.
Como diria o Calvin, há todo um mundo mágico lá fora, Haroldo amigão, cheio de possibilidades. Vamos explorá-lo!!
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*Deco Ribeiro foi candidato a vereador pelo PCdoB nas últimas eleições.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
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